15 de março de 2007

Trabalho sobre o Delfim


1.
Introdução


Este trabalho insere-se na disciplina de Língua e Cultura Portuguesa II (LCP II), e tem como objectivo a análise da obra O Delfim de José Cardoso Pires. Propomo-nos, assim, fazer um estudo relativamente aprofundado sobre as personagens mais relevantes, o contexto sócio – cultural, a localização geográfica, o estilo literário e uma breve comparação entre o livro e o filme realizado, baseado nesta obra.

Pretendemos com este trabalho, mostrar aos leitores menos atentos uma perspectiva mais dinâmica e aprofundada, do que aquela que nos é dada a conhecer na obra, e aos mais atentos mostrar outras curiosidades que se encontram em redor de todo o romance, e que nem sempre se conseguem captar.

Em traços gerais, temos como objectivo dar algo de novo, novas ideias, novas perspectivas, em relação a O Delfim.

Elaborámos o trabalho, de modo a ser dividido pelas categorias fundamentais, para não nos afastarmos do plano de trabalho e cometer o erro de cair no banal, usual e inútil.










2.
Porquê Delfim?


É um nome apropriado que se torna próprio e emblema de um sentido natural da propriedade:

O Delfim como herdeiro de poder numa linha de soberania, mas também o Delfim como ave prenunciadora de desgraças e catástrofes. Esta personagem nasceu com o seu destino traçado, devido aos seus antepassados e à história da sua família que ele insiste em honrar.

É sobretudo o nome como emanação de um lugar: A LAGOA (porque é da lagoa que tudo parte.

Esta Lagoa seduz-nos, assim como o mal seduz o inocente. A ideia de água, pureza juntamente com o nome Delfim (que nos faz lembrar o golfinho) remete para um ecossistema fechado mas belo, onde tudo é visivelmente perfeito. Onde as impurezas se encontram encarceradas nas profundezas, longe da vista. No entanto, sabemos da sua existência.



2.1
Quem é o Delfim? - Tomás Palma Bravo


O Delfim é o engenheiro Tomás Manuel Palma Bravo, também conhecido comoInfante”. Herdeiro de um mundo em decomposição e do poder numa linha de soberania (os Palma Bravo), defende ideias paternalistas, conservadoras e racistas.
É proprietário, de entre muitas coisas, uma lagoa, uma casa, um jaguar, dois cães, o criado Domingos e inclusive da sua mulher, Maria Mercês.

Em sua direcção convergem e justapõe-se relatos e versões, numa sequência que distorce o perfil do Infante e, ao mesmo tempo, reinventa-o.

O desejo de afirmação de Tomás traduz o seu machismo quando se refere às mulheres, tanto na relação com a sua esposa, no modo como trata as prostitutas em Lisboa e até mesmo na maneira que diz que trataria uma filha (identifica-se com o tio Gaspar), tratando-as sempre sob o prisma de subalternidade.
A fixação que tinha na lagoa e todo o seu desejo de honrar os seus antepassados, contribuíram para moldar a personalidade de Tomás e o seu gosto pela exclusividade, como é o caso de querer ser enterrado na lagoa. “Os cemitérios são de todos, a lagoa é minha. Adoro as exclusividades.”

Todo este amor pelos seus antepassados é demonstrado ao longo do romance, principalmente quando Tomás faz referência ao tio, em que este dizia que as mulheres se viam pelos dentes. Mais tarde, também Tomás demonstra que herdou essa capacidade e pede a uma prostituta para abrir a boca, para que este os pudesse examinar. “Abre a boca, filha!”

Apegado a valores ultrapassados, o Infante, por ser avesso a qualquer mudança, é uma figura deslocada do tempo actual e irracional na sua visão do mundo. Pelo seu ruralismo e resignação campestre, funciona como entrave ao urbanismo e ao progresso em geral.

A esterilidade da sua descendência é o exemplo acabado dos Palma Bravo, o fim da soberania.

Após a morte de sua mulher Maria Mercês e o criado Domingos, o Infante desaparece para parte incerta, abandonando, assim, a lagoa.




2.2
O narrador


Em o “Delfim”, um narrador, que se ocupa em actualizar as versões incorporadas. No entanto, este não nos á apresentado com um nome próprio, apenas como “Dr.”.

Sendo o narrador, figura central e protagonista, instala um mecanismo de estranhamento paradoxal. Por um lado, observa tudo o que o rodeia com uma música minúcia quase televisiva ou cinematográfica. Por outro, as imagens não são nítidas, pois reflectem a visão de um ser em constante viagem, que se encontra de viagem em si mesmo, fragmentando a realidade com a sua subjectividade, problematizando com ironia e com um discurso aparentemente fácil, um Portugal em profunda alteração.

O narrador guia a narrativa em meio de um enredo de identidades e de consciências. Mas o narrador tem personalidade própria e revela-se em pormenoresembaralhados do ponto de vista identitário com o próprio autor. O estado de consciência do narrador intervém muitas vezes na montagem da narrativa, que comporta várias interferências de emoções desorientadas, sensações, curiosidades íntimas e desejos do narrador, incorporados no fluir da narrativa.

O narrador tem um papel primordial neste romance, pois são as versões recolhidas pelos seus informadores (o velho das lotarias, o batedor, o padre novo, o regedor, dona da hospedaria) e os diálogos que ele viveu, um ano antes, com Tomás Palma Bravo e sua esposa, que contribuíram para a construção deste romance e que mantém o incidente, como um enigma indecifrável.

O narrador, volta todos os anos à lagoa “para caçar patos-reais” e um ano depois da sua última estadia é surpreendido com os últimos acontecimentos: a morte de Maria Mercês e Domingos, a fuga de Tomás Palma Bravo para parte incerta e todo o mistério que envolve este enredo.

Para finalizar, o que se pode entrever da narrativa do escritor baseia-se num envolvimentoentre o Infante, sua esposa Maria Mercês e o criado Domingosfundado em elementos de posse, paternalismo, homossexualismo, adultério, incesto, infidelidade e morte.
2.2.1
Localização Geográfica


O romance passa-se numa localidade rural de nome Gafeira, podendo até dizer-se que se localiza no interior: «…e mercadores de sardinha vindos de longe…».

A Lagoa, que se situa próximo da Gafeira e propriedade da família Palma Bravo, é também um local crucial ao longo da narração.

A Gafeira é uma terra imaginária assim como a mítica lagoa que «não existe fora do universo de Cardoso Pires», estando inteiramente ao serviço da criação literária. É na lagoa que tudo começa e tudo termina.
É ainda de referir que o Portugal de então era um Portugal em plena guerra colonial e em plena ditadura salazarista (anos 60).




2.2.2
Maria das Mercês


Maria das Mercês é outra personagem importante do romance. É esposa de Palma Bravo (Delfim). É uma mulher infeliz, vive fechada na sua própria casa por vontade do marido. A sua única ocupação é fazer paciências.

Vive um casamento de dependência, sente-se perseguida pelo marido e não reconhecido o seu estatuto de parceira sexual na medida em que:
« Homem que ama a sua mulher poupa-a»
«Tu sabes a razão porque nenhum homem deve fornicar a mulher legítima? (…) Porque a mulher legítima é o parente mais próximo que o homem tem, e entre parentes próximos as ligações estão excluídas
O infante procura assim o prazer nas suas idas a Lisboa em bares de prostitutas enquanto Maria das Mercês satisfaz o seu desejo através da masturbação e de passeios a cavalo.

A esterilidade de D. Mercês «mulher inabitável» pode ser visto como um motivo de tanta raiva, punição e rejeição por parte do marido.

É ainda de referir o desagrado que D. Mercês tinha à relação demasiado próxima entre Tomás da Palma Bravo e o criado Domingos «Para este homem o Domingos é intocável» assim como é de referir a relação de cumplicidade que se vai travando mais tarde entre Maria das Mercês e o criado. Essa relação pode ser interpretada como uma relação de mãe e filho, o que faz do adultério um verdadeiro incesto como opina Eduardo Prado Coelho.

Maria das Mercês é encontrada morta na lagoa. Nunca se chega a saber o motivo da sua morte, ficando assim ao critério do leitor adoptar a versão que lhe parece mais plausível.



2.2.3
Domingos


Empregado fiel e dedicado. Trata dos cães do seu amo, dois mastins que lhe obedecem cegamente. Cuida também do Jaguar dos Palma Bravo e é considerado como «cão maneta» porque além de não ter uma mão, é visto como um cão fiel que obedece a Palma Bravo. «Mão ágil, mão astuta. É um instrumento de precisão. E não precisão sem um estímulo especial que ele tem e muito apurado. Se formos ver é como os cães, a fidelidade mede-se pela precisão com que reage aos estímulos.».

Tendo uma saúde debilitada, o Infante considerava que ele tinha um “coração de passarinho”.

A sua relação demasiado próxima com o infante não agradava a D. Mercês «…era possível vislumbrar Maria das Mercês, tresloucada de todo, a enfrentar o marido e o criado, essa estranha aliança que a torturava».

Domingos é encontrado morto na cama dos Palma Bravo, ficando mais uma vez ao critério do leitor qual o motivo da sua morte.



2.3
A Narrativa



Toda a narrativa do romance é elaborada por sugestão. Isto é, existem indícios do que se passa e do que se passou, o que fica são esses indícios, proliferação de elementos e factores que se articulam comosinais de um mundoque é preciso decifrar.

As várias versões recolhidas, em situações e diálogos vividos pelo próprio narrador são resumidas e anotadas num caderno de apontamentos. Para fundamentar as várias versões existe a contribuição de lendas, boatos, mitos, anedotas, que funcionam como histórias exemplares portadoras de alguma lição; mas , sobretudo as personagens que intervêm na qualidade de testemunhas.

Ao longo da história, nunca se sai de um tempo circular, que é afinal, o tempo imposto pela própria figura expansiva da lagoa. O que se passou no passado vai ter consequências no futuro, seja este próximo ou mais longínquo, ou até mesmo no presente. E essas acções vão se repetir novamente mais tarde, tendo efeitos iguais ou semelhantes.





2.3.1
Tipos de Versões


Segundo o Batedor, o Infante é o culpado das duas mortes, pois tanto matou Maria Mercês como Domingos.
“…Matou, cometeu crime…” “Duas mortes, nem menos”.

o velho cauteleiro, acredita que D. Mercês matou Domingos na cama e o Infante com ciúmes matou-a. “A patroa mata o criado, e o marido, roído de mágoa, mata-a por sua vez

De qualquer maneira, ambos concordam numa coisa: tanto Domingos como o Infante tiveram o fim que mereciam.

A dona da pensão afirma que, a causa de toda a desgraça era a fixação que o Infante tinha na lagoa e na vontade de honrar os seus antepassados.
A proprietária não acredita na versão do Cauteleiro, em que o Infante mata a mulher pela perda do criado, poisse algum pecado se podia apontar ao Engenheiro, era ser leviano em demasia



2.4
Simbolismos


Em termos simbólicos encontramos ao longo de “O Delfimvários elementos que por detrás de uma aparência simples e, teoricamente, sem importância, deixam, subtilmente, transparecer algumas maneiras de ser das personagens, hábitos, vícios, e até podem simbolizar algo e/ou servir de presságio.

Entre muitos conhecidos, e outros que, de alguma maneira, o autor conseguiu com que passassem despercebidos, apresentamos aqui os mais importantes e que de uma maneira ou de outra se tornam visivelmente importantes:

Os Mastins significam a força e ao mesmo tempo a defesa. São cães de guarda de força bruta e de apego à família, assim como Tomás que pela força defende como pode a família, estas são características principais destes cães e de Palma Bravo;

A Gafeira, palavra que significaLepra, Morrinha, Sarna leprosa, Doença dos olhos dos bois, com inchação das pálpebras”, representa o podre da sociedade portuguesa, de Palma Bravo, da guerra colonial e ainda (assim como Tomás) uma espécie em vias de extinção.

a lagoa representa o Portugal de então: velho e a morrer, assim como Salazar. Poderá ainda simbolizar um lugar de águas benéficas e portadoras de saúde e vida. “Portugal 1968, O Ditador agoniza, a Lagoa apodrece. A guerra colonial faz chegar ao Largo da Gafeira os seus mutilados”.

O famoso Jaguar “E” é mais um símbolo de luxúria. É também através dele que Tomás vai até Lisboa às casas de prostituição.



2.5
Breve Biografia do Autor


José Cardoso Pires nasceu a 2 de Outubro de 1925, em Castelo Branco. Mudou-se para Lisboa ainda jovem.

Lançou o seu primeiro romance em 1958 intitulado “O Anjo Ancorado”. Passado 24 anos lança “A Balada da Praia dos Cães – o seu livro com mais sucesso internacional. Com traduções em grego, russo, inglês, espanhol, entre outras línguas.

Faleceu em 1988.

Ao longo da sua vida, mas com maior incidência depois da sua morte, como é usual na nossa sociedade, Cardoso Pires, recebeu vários prémios, que vieram confirmar o que todos os leitores sabiam, a extraordinária forma de escrever e de transmitir os seus sentimentos ao leitor, entre os quais:

1963-Prémio Camilo Castelo Branco: O Hóspede de Job
1982-Grande Prémio de Romance e Novela da APE: A Balada da Praia dos Cães
1988-Prémio Especial da Associação de Críticos do Brasil: Alexandra Alpha
1991-Prémio Internacional União Latina
1997-Prémio Pessoa
1997-Prémio D. Dinis: De Profundis, Valsa Lenta
1998-Prémio Vida Literária da APE



2.7
Estilo Literário


O realismo de José Cardoso Pires é continuamente ladeado pelo par naturalismo/expressionismo.

Naturalismo não como movimento literário, mas sim como uma face da Natureza, uma comunhão entre o autor e a essência.

Por várias vezes, durante o romance o escritor faz referência à Natureza. Podemos ter essa visão quando este caracteriza as pessoas como animais nos discursos de Palma Bravo. Mas a própria ruralidade do local de acção remete para essa comunhão do autor com a essência, com a alma, com o espírito.

O naturalismo começa, assim, por fazer parte do universo de Cardoso Pires, na medida em que, este dificilmente consegue impor uma imagem do humano sem a metaforizar nos termos de uma paisagem animal

José Cardoso Pires usa diversas técnicas de narração, tais como: violação da cronologia no plano temporal, com recurso a analepses e prolepses: aprofundamento da técnica cinematográfica pela exploração do travelling; organização sequencial por alternância, com o abandono do princípio de causalidade; sub estimação da história, com destaque para a personagem e não para a acção. Isto é, o leitor é uma bola de pingue-pongue nas mãos de Cardoso Pires, somos como um “Polegarzinhoque anda no bolso do escritor, e que o acompanha sem se aperceber; ou quando se apercebe, limita-se a acompanhá-lo e a admirar essas viagens constantes entre o passado e o presente.

No que se refere ao princípio da casualidade, nesta obra nada acontece por acaso. Vivemos uma história onde o tempo é circular e todas as acções passadas têm consequências futuras, e essas mesmas acções vão ser reproduzidas mais tarde. Daí, advém o facto de, sabermos que tudo o que aconteceu no passado dos Palma Bravo voltaria a repetir-se no futuro. Apenas existe uma quebra neste tempo circular, que corresponde à morte de Maria Mercês e o criado Domingos.

Na obra somos levados a conhecer sobretudo as personagens e não a acção em si (a história). Essa acção é deixada para segundo plano. Uma das passagens que pode comprovar isso, é quando o Infante leva Domingos a uma casa de alterne. Esta cena é completamente desvalorizada pelo autor, visto que volta a falar nela quando Tomás se encontra na Lagoa com a sua mulher.



2.8
O FILME


O filme baseado no livro em estudo foi realizado por Fernando Lopes e estreou a 19 de Abril 2002. é uma replica quase perfeita do livro, no entanto de modo algum compensa o facto de não se ter lido o livro, assim como o livro não pode ficar por vez do filme. “O livro e o filme não são iguais, não são diferentes, simplesmente completam-se”.
A produção cinematográfica mais importância à acção do que José Cardoso Pires, no entanto deixa transparecer toda a personalidade das personagens, e todos os momentos que o escritor tentou transparecer de forma explícita no seu livro

Mais de 10mil espectadores assistiram a este filme na primeira semana de exibição.



3
Como que a concluir


Toda a obra remete o leitor para um passado não muito distante. A guerra Colonial, o estado ditatorial, a repressão social, etc.

O romance, contudo, de forma subtil, deixa escapar uma brisa de liberdade por entre cada palavra, por cada ponto, por cada espaço

É a previsão de melhores dias para a população da Gafeira, que não é mais que um espelho do Portugal de então. A Lagoa morria como Salazar, assim como Portugal ia apodrecendo! No entanto, o autor insinua o desaparecimento dessa sombra negra, que não deixava os raios de sol penetrarem as águas límpidas da Lagoa, como se alguém pudesse privar o Homem de ter direito à cultura e informação.

Após a morte de Palma Bravo a Lagoa passa para as mãos dos habitantes da Gafeira. Assim como Portugal havia de passar para as mãos do povo no dia 25 de Abril de 1974.

Podemos então concluir que:

“O DELFIM É A LIBERTAÇÃO DA ESCRITA COMO VISLUMBRE DA EVOLUÇÃO”
Bibliografia

CHEVALIER, Jean & GHEERBRANDT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.

ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1988.

GOOGLE, imagens do

LOURENÇO, Eduardo. Literatura e Revolução. In: Colóquio Letras. Lisboa, 78: 7-16. Março/84.

PIRES, José Cardoso. O delfim. Lisboa: Dom Quixote, 1988.

REIS, Carlos & LOPES, Ana Cristina M.. Dicionário de Narratologia. Coimbra: Almedina, 1987.

SARAIVA, António José & LOPES, Óscar. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto, [s/d.].

Sitios:
http://www.portugal-linha.pt/literatura/jcpires/index.html

http://www.ipv.pt/millenium/15_pers5.htm

http://www.madragoafilmes.pt/odelfim/index2.html

Trabalho Realizado Por:



Sofia Figueiredo
19286

Catarina Milheiro
19439

João F. Pereira

1 comentário:

insonne disse...

Muito massa seu trabalho. Me ajudou muito na organização de um slide para disciplina de Literatura Portuguesa.
Muito bom. Gratidão por dividi-lo