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Introdução
No âmbito da cadeira de Sociedade e Comunicação procedemos ao estudo aprofundado do capítulo “O fluxo de comunicação em dois níveis: memória actualizada de uma hipótese”, do livro “Comunicação e Sociedade” de João Pissarra Esteves.
Neste trabalho destacamos o “Fluxo da Comunicação a dois níveis” original de “Two Step Flow Theory”, uma das Teorias dos Efeitos dos Media. Esta teoria tem por base a obra “The People’s Choice” (1944) de Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, sobre o voto e a formação da opinião pública durante as eleições presidenciais americanas de 1940, e por um trabalho posterior, “Personal Influence” (1955), da autoria conjunta de Elihu Katz e Paul Lazarsfeld.
O esquema linear e mecanicista da comunicação, inspirado na “Teoria Hipodérmica” e no “Modelo de Lasswell”, vai-se tornando mais complexo com a introdução de novas variáveis que interfeririam tanto na exposição aos meios e mensagens massivos quanto ao grau de poder e persuasão que seria exercido.
O objectivo deste trabalho, é interpretar e contextualizar a teoria do “fluxo de Comunicação em dois Níveis” em relação à época em que foi descoberta e assim, compreender a evolução das Teorias de Comunicação.
Fluxo de Comunicação em Dois Níveis
A hipótese de “Fluxo de Comunicação em Dois Níveis” ou teoria “Two Step Flow” surge no campo da sociologia, que salienta o aspecto fundamental que caracteriza este âmbito de estudos: a eficácia dos Media só é susceptível de ser analisada no contexto social em que se inserem. Mais ainda do que do conteúdo que difundem, a sua influência depende das características do sistema social que os rodeia.
Este ciclo de estudos sobre os efeitos está marcado pela obra The People’s Choice (1944), estudo de Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, sobre uma análise do processo de tomada de decisão no decorrer de uma campanha eleitoral. Esta análise tem por objectivo individualizar motivos e modalidades com que se formam as atitudes políticas no decorrer da campanha presidencial de 1940, o que levou os autores a propor que as influências transmitidas pelos meios de comunicação de massa alcançam primeiro os “líderes de opinião” e que estes, por sua vez, transmitem o que lêem e ouvem a grupos que lhes são próximos na sua vida quotidiana, e sobre os quais exercem influência.
A investigação desta teoria foi organizada a partir de problemas socioeconómicos, religiosos, do grupo etário e de outros factores sociológicos na predisposição das orientações de voto, ou a partir da correlação entre o grau de interesse, de motivação e de participação na campanha eleitoral e o grau de exposição a essa mesma campanha.
Merton, Katz e Lazarsfeld, na obra “Personal influence” (1955), ligam a comunicação de massa e a comunicação interpessoal. As mensagens dos Media, ligados às questões políticas, moda, cinema ou consumo de bens, atingem as pessoas mais implicadas e influentes; são elas, consideradas como “líderes de opinião” que vão difundir as mensagens, essencialmente nas relações face a face mantidas no seio de grupos mais restritos. O estudo interessa-se igualmente pelas características dos líderes de opinião.
A ideia da audiência como uma massa de indivíduos separados entre si, apenas ligados pelos meios de comunicação (teoria hipodérmica), não é compatível com a proposta do “fluxo de comunicação em dois níveis”, que implica o reconhecimento de redes de indivíduos interligados, através das quais a comunicação de massa é canalizada.
Modelo “Fluxo de Comunicação em Dois Níveis"
Líderes de Opinião Media Seguidores
Resultados de “The People’s Choice”
Elihu Katz, um dos principais continuadores e divulgadores do modelo do “fluxo de comunicação em dois níveis”, entende que no estudo eleitoral de 1940 houve três tipos distintos de resultados:
1. Impacto da influência pessoal – tanto os indivíduos que se decidiram tardiamente na campanha, como aqueles que alteraram a sua forma de pensar no decorrer da campanha, estão mais aptos do que qualquer outra pessoa a referir a influência pessoal como determinante para as suas decisões, pois os contactos pessoais foram mais frequentes e mais eficazes do que os meios de comunicação de massa na influência das decisões de voto.
2. Fluxo da Influência pessoal – procurar saber se algumas pessoas tinham sido mais importantes do que outras na transmissão da influência. O estudo procurou identificar indivíduos “líderes de opinião” e concluiu que estes são susceptíveis de ser encontrados em todos os níveis da sociedade, podendo mesmo ser muito semelhantes com as pessoas que eles próprios influenciam.
3. Os líderes de opinião e os meios de comunicação de massa – comparativamente ao resto da população, os líderes de opinião estiveram consideravelmente mais expostos à rádio, jornais e revistas, isto é, aos meios de comunicação de massa.
Os líderes de opinião e o fluxo comunicativo a dois níveis são, pois, apenas uma modalidade específica de um fenómeno de ordem geral: na dinâmica que gera a formação da opinião pública - dinâmica em que participam também os Media - o resultado global não pode ser atribuído aos indivíduos considerados isoladamente; deriva, pelo contrário, da rede de interacções que une as pessoas umas às outras. Os efeitos dos Media não podem ser compreendidos senão a partir da análise das interacções recíprocas que se estabelecem entre os destinatários: os efeitos dos Media são parte de um processo mais complexo que é o da influência pessoal. Verificou-se assim uma inversão total de posições em relação à teoria hipodérmica inicial: não só a avaliação da consistência dos efeitos é diferente como também, e mais significativamente, a lógica do efeito é oposta. No primeiro caso, essa lógica existia apenas no interior de uma dinâmica relativa entre estímulo e resposta; agora, baseia-se e faz parte de um ambiente social totalmente sulcado por interacções e processos de influência pessoal em que a personalidade do destinatário se configura também a partir dos seus grupos de referência (familiares, de amigos, profissionais, religiosos, etc.).
Mas, também sob o ponto de vista da qualidade e da consistência, os efeitos são limitados. De facto, os efeitos de reforço prevalecem sobre os efeitos de conversão e, acima de tudo, a influência pessoal que se desenvolve nas relações entre indivíduos parece ser mais eficaz do que a que deriva directamente dos Media. A natureza da influência pessoal, que é diferente da natureza da influência interpessoal dos Media, motiva a sua eficácia que resulta do facto de estar inextrincavelmente ligada à vida do grupo social e nela enraizada. Se é certo que aqueles que se revelam mais indecisos nas suas atitudes de voto são também os que se expõem menos à campanha dos Media, os contactos pessoais são mais eficazes do que os Media, precisamente porque podem atingir mesmo aqueles que, potencialmente, estão mais predispostos a mudar de atitude.
Se a comunicação de massa se depara, inevitavelmente, com o obstáculo da exposição e percepção selectivas, a comunicação interpessoal, pelo contrário, aparenta um maior grau de flexibilidade perante as resistências do destinatário. Se a credibilidade da fonte se reflecte na eficácia de uma mensagem persuasiva, é provável que a fonte impessoal dos Media se ache em desvantagem em relação às fontes, que são próprias das relações interpessoais. No entanto, enquanto uma mensagem da campanha eleitoral é entendida como sendo destinada a um objectivo preciso, a influência que resulta das relações interpessoais pode estar (ou parecer) menos ligada a finalidades específicas de persuasão.
Estrutura do Estudo Eleitoral
Para estudar a forma como o fluxo de influência intervém na tomada de decisões, o modelo de pesquisa de “The People’s Choice” apresentou várias vantagens. Paul Lazarsfeld considera a necessidade de considerar a dimensão temporal para estudar os efeitos e constata que a realização de estudos sobre os efeitos a curto prazo nunca poderia dar conta dos impactos em profundidade dos meios de comunicação.
De acordo com Katz, o método do painel, que permitia localizar as mudanças de opinião quase ao mesmo tempo em que elas se produziam e de as remeter, em seguida, às influências que se exerceram sobre as decisões, já indica a preocupação de Lazarsfeld com o dado temporal.
Em segundo lugar, a unidade de efeito, a decisão, constitui-se como um indicador tangível da mudança, que podia ser prontamente registado. No entanto, para estudar a parte do fluxo de influência relacionada com os contactos entre os indivíduos, o modelo de pesquisa revelou-se insuficiente, uma vez que recorreu a uma amostra aleatória de indivíduos descontextualizados dos seus ambientes sociais. Este aspecto do modelo de investigação explica a evolução que viria a ser necessária a partir dos dados disponíveis até à formulação da hipótese de “fluxo de comunicação em dois níveis”.
Além do problema de validade colocado por esta técnica, é importante realçar que a mesma não permite a comparação entre os líderes e os seus respectivos seguidores, mas apenas a comparação entre líderes e não líderes de um modo geral.
Teoria Hipodérmica VS Teoria Two Step Flow
Quando se confronta a Teoria two-step flow com a Teoria Hipodérmica, há muitas s diferenças que se fazem notar. Desenvolvido pela mesma altura da teoria Hipodérmica ou da bala, o “fluxo comunicacional em dois níveis” tem em conta o contexto social em que é aplicado. Prevê que uma mensagem não tem o mesmo efeito se transmitida em contextos sociais diferentes, isto é, a influência dos meios de comunicação sociais depende invariavelmente das características do sistema social que os rodeiam.
Outra das diferenças é a questão dos efeitos da mensagem. Enquanto na primeira teoria esses efeitos se regiam pelo esquema, “Estímulo à Resposta” baseado na manipulação, este modelo defende que as interacções sociais entre os indivíduos, baseados na influência, também contam para o resultado global dos efeitos provocados, e em que a acção dos meios de comunicação é só uma parte desse conjunto. Se a Teoria Hipodérmica tinha como base a propaganda, este modelo deve, em parte, o seu nascimento a um estudo de uma campanha eleitoral.
E foi com este estudo que se descobriram dois novos conceitos que aumentam ainda mais a distinção entre estas duas teorias aqui em confronto: o primeiro é o de “líder de opinião”, e o segundo é o de “fluxo de comunicação a dois níveis”.
Conclusão
Após a realização deste trabalho é possível concluir que os líderes de opinião e os indivíduos que eles influenciam têm muito em comum uns com os outros e pertencem, geralmente, aos mesmos grupos primários de família, amigos e colegas de trabalho. Embora o líder de opinião possa estar mais interessado no domínio particular em que ele é influente, não é provável que o nível de interesse dos indivíduos influenciados seja muito inferior ao do líder. Influentes e influenciados podem trocar de papéis em domínios de influência diferentes.
A teoria “Fluxo da Comunicação a dois níveis” tem de ser analisada no contexto social e temporal em que foi descoberta. Do ponto de vista da presença e da difusão dos meios de informação, o contexto social a que essa teoria se refere, era profundamente diferente do contexto actual. A hipótese do fluxo comunicativo a dois níveis pressupõe uma situação comunicativa caracterizada por uma baixa difusão de comunicações de massa, bastante diferente da de hoje. Nos anos 40, a presença relativamente limitada dos Media na sociedade realça o papel difusivo desempenhado pela comunicação interpessoal: a situação actual, pelo contrário, apresenta níveis de quase-saturação na difusão dos Media. Uma baixa no sector dos jornais diários, leva ao aumento global da oferta dos Media.
«Nos últimos vinte anos, a televisão impôs-se como o meio predominante de comunicação de massa e modificou radicalmente a utilização dos tempos livres. Por esse facto, o sistema de comunicação de massa tornou-se extraordinariamente diferente. Os opinion leaders ficam quase completamente dispensados da sua função de filtro, em consequência da difusão dos temas, informações e opiniões» (Böckelmann, 1975, 123).
Talvez seja por isso que a maior parte das mensagens das comunicações de massa seja recebida de uma forma directa, não necessitando, para ser difundida, do nível de comunicação interpessoal: esta apresenta-se como «conversa» acerca do conteúdo dos Media, mais do que como instrumento da passagem da influência da comunicação de massa para os destinatários. Isto é, é provável que, mantendo-se inalterável a conclusão geral da teoria dos efeitos limitados - a eficácia das comunicações de massa estuda-se em relação ao contexto de relações sociais em que os Media agem.
Bibliografia
· Apontamentos diários das aulas
· Esteves, João Pissarra (org.) - Comunicação e Sociedade; Lisboa; Livros Horizonte; 2002
· Gomes, Itania Maria Mota – Efeito e Recepção: A interpretação do processo receptivo em duas tradições de investigação sobre os Media.
· Wolf, Mauro – Teorias da Comunicação; Lisboa, Presença, 1992.
· http://www.dragaodepapel.wordpress.com
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