9 de agosto de 2009

O apelo à emoção no Jornalismo Sensacionalista

Introdução

O trabalho apresentado insere-se na cadeira de Psicologia, leccionada no primeiro ano de Mestrado de Jornalismo, na Universidade da Beira Interior. Partindo do estudo das teorias das emoções, serão focadas as emoções no campo jornalístico, tanto quanto ao que concerne ao repórter como ao leitor.

O código deontológico dos jornalistas obriga-os a um relato rigoroso e concreto dos factos, pondo de parte qualquer tipo de sensacionalismo. Mas como pode perante uma situação de crime ou infortúnio o jornalista abandonar as suas emoções? E será que o jornalista e o jornal querem realmente fugir ao sensacionalismo?

Numa sociedade, onde a informação urge e o tempo é escasso, onde é preciso vender e atrair a atenção do público, como se mantém um relato cem por cento factual? O que atrai o público, o acontecimento em si ou as emoções que estão por detrás do facto?

Estas são algumas das questões que iremos abordar, para entender como o jornalista capta a atenção do leitor através das suas emoções. E como esse mesmo poder pode alterar um estilo de vida e um modo de agir social.


Emoções

No presente trabalho é importante reflectir sobre o conceito de emoção. Perceber o que são as emoções, em que contexto surgem e qual a sua função, é o primeiro passo para compreender o jogo de emoções que se vive diariamente no jornalismo.

Nos últimos anos tem havido grandes avanços e metas alcançadas no estudo das emoções. A riqueza e diversidade de correntes sobre o tema não permitem que se estabeleça consenso relativamente à definição de “emoção”. Em termos gerais, pode dizer-se que emoção é um processo ou estado psicológico que funciona na gestão de objectivos, processo que é tipicamente desencadeado pela avaliação de um facto ou acontecimento importante para a concretização de um determinado objectivo. Quando esse objectivo é alcançado, o estado psicológico é positivo e, de contrário quando é impedido, é negativo.[1] As emoções são muitas vezes associadas a breves expressões do rosto e voz e têm perturbação no Sistema Nervoso Autónomo (SNA). Contudo, estas manifestações por vezes passam despercebidas à pessoa que sofre a emoção.

As emoções negativas surgem quando existem circunstâncias consideradas desagradáveis ou indesejáveis, contrárias às expectativas do sujeito. As emoções positivas estão associadas a estados desejáveis e que vão ao encontro do objectivo pretendido. A divisão das emoções também pode ser estabelecida na oposição entre emoções primárias/básicas e secundárias. Apesar de não haver concordância por parte dos estudiosos nas emoções a incluir em cada secção, geralmente aceita-se a raiva, o medo, a tristeza, a alegria e a surpresa como emoções básicas. Estas emoções são consideradas as mais antigas inscritas nas estruturas neurobiológicas do Homem, ou seja, são responsáveis pela sua sobrevivência enquanto indivíduo biológico e encontram-se nas áreas cerebrais mais antigas e profundas, tendo sido posteriormente envolvidas por camadas mais recentes, em termos de constituição cerebral. Por outro lado, as emoções secundárias estão relacionadas com a vida do Homem enquanto ser social, pois são aprendidas em sociedade e são dependentes dos lóbulos pré-frontais. A vergonha, o ciúme, a culpa e o orgulho são exemplos de emoções secundárias.[2]

Teorias das Emoções

Há uma grande diversidade de teorias das emoções e cada uma defendida por grupos de investigadores e cientistas, que possuem grandes variações entre elas.

A primeira teoria sobre as emoções surge em 1872, quando Darwin considerou as reacções afectivas como padrões inatos, destinados a orientar o comportamento e cuja finalidade era de adaptar o Ser ao meio. Assim, tanto o Homem como o animal poderiam assegurar a sua sobrevivência e a da sua espécie, uma vez que essas emoções seriam herdadas de ancestrais. Darwin, através do estudo aprofundado de centenas de figuras de animais, observou uma alta similaridade na forma de exprimir as emoções entre os animais e o homem e verificou que “os jovens e os velhos de diferentes raças, tanto no Homem como nos animais, expressam o mesmo estado de espírito pelos mesmos movimentos”[3]. Haveria então uma acção directa do Sistema Nervoso Central (SNC), em que ocorreriam ajustes fisiológicos envolvidos com o estado emocional que preparariam a acção através do Sistema Nervoso Autónomo e do Sistema Endócrino.

No final do século XIX, surge a primeira tentativa de definir «emoção». William James tratou o tema das emoções no seu artigo “What is an emotion?” (1884). A teoria exposta e defendida por William James era uma das primeiras teorias acerca do funcionamento das emoções e assenta na ideia de que as emoções são sentimentos causados por mudanças fisiológicas, relacionados com as funções motoras e autónomas. James declarava que o indivíduo após perceber um estímulo que o afecta sofre alterações fisiológicas perturbadoras (palpitações, falta de ar, angústia, etc.). O reconhecimento desses sintomas é que vai gerar emoção no indivíduo. Significa que perante uma situação de perigo, primeiro o homem reage e foge e é por fugir que sente medo. Segundo William James, o que distingue as diferentes emoções é o facto de cada uma delas envolver a percepção de um conjunto único de mudanças corporais. Esta teoria é conhecida como teoria de James-Lange, porque na mesma altura a mesma teoria também era defendida por Carl Lange.

Em 1927, a teoria de James-Lange é criticada pelo fisiologista Walter Cannon que propõe uma teoria alternativa baseada nas investigações de fisiologia de Philip Bard. Este defende que não existe um padrão específico de alterações fisiológicas para cada emoção, apenas um único que suscita no organismo uma resposta de reacção. Segundo a teoria de Cannon-Bard, a emoção acontece simultaneamente com as reacções fisiológicas. O córtex cerebral recebe a mensagem que causa a emoção ao mesmo tempo que o Sistema Nervoso Autónomo recebe a mensagem que suscita a resposta física. Assim, numa situação de perigo, o indivíduo perante um estímulo ameaçador sente primeiro medo e depois tem a reacção física, foge.

No final dos anos 30, James Papez demonstrou a existência de um complexo circuito de emoções no cérebro. De acordo com Papez, o substracto neuroanatómico da experiência emocional podia ser representado pelo seguinte circuito: hipotálamo, tálamo anterior, córtex cingulado, hipocampo, e as suas ligações. A ideia central da teoria de Papez é a divisão das mensagens sensoriais no tálamo em dois fluxos, o dos pensamentos e o dos sentimentos. Neste último fluxo, as mensagens sensoriais chegadas ao tálamo são transmitidas ao hipotálamo, criando-se reacções corporais características das emoções.

Uma década mais tarde, em 1949, Paul MacLean, aceitando em essência a proposta de Papez, iria ampliá-la ao introduzir o termo sistema límbico, adicionando ao sistema emocional, a amígdala, o septo e o córtex pré-frontal. De acordo com MacLean, o sistema límbico é o mediador entre funções viscerais e comportamentos emocionais.

Todas estas teorias que se debruçaram sobre o estudo das emoções serviram para levar à compreensão das emoções enquanto “processos cognitivos”, determinados biologicamente. Em qualquer das situações referidas, as emoções são actos cognitivos que constituem conjuntos complexos de respostas químicas e neurais, responsáveis por alterações no corpo e cérebro, com a função de auxiliar o organismo a sobreviver. O propósito regulador das emoções torna-as essenciais à vida humana (ou de outro organismo), na medida em que esta função se encontra intrinsecamente associada à capacidade de avaliar e gerir objectivos quotidianos. É desta avaliação que depende o bom funcionamento do organismo, contribuindo para tomadas de decisão ou medidas vantajosas e permitindo alcançar situações de equilíbrio.


A emoção no discurso da imprensa

O leitor ao procurar estar informado procura involuntariamente notícias ditas boas mas também aquelas ditas más. Crise, crime, eleições, são temas agora constantes e recorrentes nas capas dos vários jornais.

Mas para que essas notícias cheguem aos jornais houve informação que teve que passar primeiro pelas mãos (e cabeça) de um jornalista, que de forma profissional tratou essa mesma informação e a transformou em breves, em notícias, ou reportagem.

“Diariamente, nas redacções dos jornais, os profissionais de jornalismo travam discussões com os seus superiores, porque constantemente os editores estão recomendando aos jornalistas que sejam objectivos, utilizem a técnica jornalística, redijam textos directos e que, sobretudo sejam isentos nas suas emoções para não influenciar ou acabar induzindo o leitor fazer uma leitura equivocada dos factos e da realidade em que estão inseridos.

Os empresários de comunicação, editores e chefes de reportagem, em alguns casos, estão preocupados com a venda dos exemplares nas bancas, com o lucro e a garantia do salário no fim do mês, e recomendam que os repórteres não apenas se preocupem com o espaço predeterminado para a notícia, mas que deixem de fora do texto as suas crenças, desejos, valores, preconceitos, idiossincrasias e preferências, que subjectividade fique de lado, se afaste da sensibilidade e da emoção. Outros até aconselham os repórteres a contarem a história do que observaram na rua para tornar o acontecimento mais real possível, com base nas técnicas de codificação em jornalismo apreendidas na academia. Alguns destes profissionais até se deixam levar pela política editorial da organização jornalística e se insere no perfil profissional desejado da empresa que trabalha”[4].

Cria-se a dúvida se o jornalista consegue, de facto, alhear-se dos seus sentimentos, das suas emoções, das suas crenças, e escrever uma matéria jornalística com a objectividade e rigor que se pede. O repórter é um filtro entre o acontecimento real e a informação que chega ao leitor. E como humano que é, é-lhe impossível não ser afectado pelas suas emoções. Seja pelo círculo social em que está inserido seja até pela “tendência emocional que prevalece no discurso dos media com os princípios tradicionalmente partilhados pela comunidade jornalística”[5]. Mas pode de facto minimizar o impacto das suas emoções no resultado final da matéria que escreve.

Contudo, o jornalista pode ser influenciado de tal modo pela linha editorial do jornal que não pode e não consegue minimizar esse impacto.

“Em conversa informal com alguns profissionais da comunidade jornalística de João Pessoa (Paraíba) o que tenho observado é que às temáticas e as narrativas abordadas algumas vezes depende do posicionamento do jornalismo e dos jornalistas face aos seus leitores. Muitos ainda questionam o que tipo de jornalismo deve ser produzido na actualidade”[6].

Isso deve-se muitas vezes à tentativa do jornal vingar no mercado, e sobreviver economicamente. Recorrendo para isso a uma escrita mais sensacionalista. Escrever sobre a emoção numa notícia é também pensar na sua mediatização e na sua capacidade de se tornar num espectáculo mediático.

Assim sendo, começam-se a eliminar as fronteiras entre comunicação e informação. Tornando-se o jornalismo de referência, “aquele que exige esforço e interpretação, quando vem aliado à informação e o distanciamento crítico”[7], cada vez mais raro e quase que de menor importância, diria mesmo, marginalizado.

Consequentemente começa a nascer, ou a vingar, um jornalismo virado somente para o espectáculo, para o entretenimento e exploração constante e torturante de sentimentos e emoções “recheadas de códigos que convive de forma pacífica com as outras áreas do conhecimento e da comunicação”[8].

Sensacionalismo, o que é?

O sensacionalismo ainda se encontra muito ligado ao binómio «sexo-violência»[9] ou ao trinómio «escândalo-sexo-sangue»[10], dependendo dos autores. E se por um lado aproxima o leitor por outro não consegue desassociar-se à chamada imprensa «cor-de-rosa» pela forma exagerada como trabalha a informação.

Esclarecer o que é ou não o sensacionalismo jornalístico torna-se extremamente complicado, mas há uma característica única que visa procurar o sensacionalismo: o espectáculo mediático pretendido com a notícia.

“Numa definição mais geral, o sensacionalismo pode ser entendido como um modo de divulgar os fatos, dando-os como acontecimentos extraordinários.

1. Exploração da notícia ou fatos que causem emoção ou escândalo.

2. Algo que produz viva sensação.

3. Algo espectacular, formidável.

4. Emoção produzida, impacto. (XIMENES, Sérgio, Dicionário da Língua Portuguesa, 2002, pg 852)”[11].

Mas o sensacionalismo é usado muitas vezes, de forma errada, para caracterizar determinada publicação.

“Marcondes Filho descreve a prática sensacionalista como nutriente psíquico, desviante ideológico e descarga de pulsões institivas. Caracteriza sensacionalismo como «o grau mais radical da mercantilização da informação: tudo o que se vende é aparência e, na verdade, vende-se aquilo que a informação interna não irá desenvolver melhor do que a manchete. Esta está carregada de apelos às carências psíquicas das pessoas e explora-as de forma sádica, caluniadora e ridicularizora. (…) No jornalismo sensacionalista as notícias funcionam como pseudo-alimentos às carências do espírito (…) O jornalismo sensacionalista extrai do facto, da notícia, a sua carga emotiva e apelativa e enaltece-a. Fabrica uma nova notícia que a partir daí passa a se vender por si mesma»”[12].

É o sangue, o sexo, o escândalo que caracteriza este tipo de imprensa. O sensacionalismo é tornar um facto jornalístico, que a priori não mereceria qualquer trato jornalístico, sensacional. Isto é, tornar sensacional algo que não é necessariamente sensacional, utilizando códigos jornalísticos que transmitam aos leitores emoção e comoção.


O sensacionalismo como forma de transmitir emoções

Actualmente o que se tem observado é uma tendência crescente para a procura dos jornalistas e dos jornais de acontecimentos que tenham uma grande carga emocional. Geralmente casos de crime, desde raptos a atentados terroristas, passando por homicídios ou abusos sexuais. E em muitos casos figuram na primeira página dos jornais com grande destaque.

Em Portugal muitos casos se podiam enumerar mas talvez se destaque o “caso do arrastão de Carcavelos”. Um acontecimento, na altura associado a um «arrastão», no final da tarde do dia 10 de Junho de 2005, foi a manchete em vários jornais do dia seguinte:

Capital

A POLÍCIA FEZ QUATRO DETENÇÕES

SÃO JOVENS DE GANGS DA DAMAIA OS ASSALTANTES DA PRAIA DE CARCAVELOS

“Adolescentes e jovens, dos 12 aos 20 anos, residentes nos bairros 6 de Maio e Cova da Moura, na Damaia/Amadora, são, alegadamente, os res­ponsáveis pelo assalto, no princípio da tarde de ontem, aos banhistas da praia de Carcavelos. A PSP já deteve 4 elementos.

António Capucho, presidente da Câmara de Cascais, já afirmou que os assaltantes, em número de 400, não eram residentes no concelho. E pediu mais policiamento.

Este fenómeno tem origem no Brasil onde já que provocou vítimas mortais”

Jornal de Notícias

VIOLÊNCIA ARRASTÃO

PÂNICO NA PRAIA DE CARCAVELOS

“Centenas de jovens ligados a gangues invadiram o areal da linha do Estoril e atacaram os banhistas”

TERROR NA PRAIA DE CARCAVELOS

“Fenómeno de gangues em expansão nos centros urbanos”

Público

BANDOS DE JOVENS CRIAM O PÂNICO NA PRAIA DE CARCAVELOS

ARRASTÃO VARREU O AREAL E ENVOLVEU CENTENAS DE ASSALTANTES

“Arrastão” põe em pânico praia de Carcavelos

GRUPO DE 500 JOVENS

«Diário de Notícias

“ARRASTÃO” À BRASILEIRA CHEGA A CARCAVELOS

“A praia de Carcavelos viveu momentos de terror, ontem à tarde, quando grupos de jovens espalharam o pânico, agredindo e assaltando os banhistas.

A polícia estima em 500 o número de indivíduos que participaram no “arrastão”, uma prática habitual nas praias do Rio de Janeiro, mas até agora inédita em Portugal”

Correio da Manhã

TERROR NA PRAIA

“Dois tiros para o ar deram o sinal de partida para centenas de jovens de ambos os sexos assaltarem e semearem pânico em Carcavelos”

24 Horas (toda a primeira página)

CENTENAS DE VÂNDALOS ATACAM BANHISTAS E CRIAM PÂNICO NA PRAIA

Tarde de TERROR em Carcavelos

SALVE-SE QUEM PUDER

“O fenómeno é brasileiro mas já chegou a Portugal. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras garante que muitos dos bandidos são conhecidos das autoridades e promete medidas”.

FOI UM VERDADEIRO PÂNICO

Cerca de 500 vândalos juntaram-se para assaltar os banhistas»[13]

Dos jornais ditos de referência aos ditos sensacionalistas todos fizeram referência a termos como “pânico”, “violência”, “gangs”, “assaltantes”, “arrastão” ou “terror”. A ideia foi vender um suposto clima de terror, de medo, de drama. Era impossível, quando todos os meios de comunicação estavam a noticiar o «arrastão», afirmar que tinha havido apenas um pequeno furto na praia. Pois existe o receio de perder o «furo jornalístico».

Sobre o assunto António Fidalgo escreve que entre leitores e jornalistas “há o receio de perder uma notícia”[14]. Os leitores compram “diversos jornais, quantos mais melhor, se possível todos, e faz-se o zapping à hora dos noticiários entre as diferentes estações de rádio e de televisão. Teme-se que alguma esteja a dar uma notícia não dada pelas outras”[15]. Mas também os meios de comunicação têm este receio por isso, à acção dos leitores os órgãos de informação respondem “informando aquilo que os outros órgãos estão a noticiar”[16].

Nem mesmo os desmentidos emitidos poucos minutos da primeira notícia da Lusa conseguiram travar a onda mediática que se criou.

“Todos os desmentidos tiveram um efeito mínimo e a reposição da verdade dos factos não foi feita. Como muitas vezes acontece, o desmentido bate na couraça de uma convicção criada - ainda que falsa – e não altera a leitura do (não) acontecimento. Para a história, corremos o risco que fique que o “arrastão” existiu mesmo”[17].

Como afirma António Fidalgo “a abundância de fait-divers[18] nos telejornais e na imprensa, o sensacionalismo noticioso mais variegado, o sucesso da imprensa de coração, revelam que para lá do interesse público há uma curiosidade informativa insaciável que da informação espera mais diversão que formação”[19].

Os jornais ao transmitir a notícia estão de uma certa forma a tomar uma posição. E esta posição que atrai o público, o leitor. O ângulo de abordagem da notícia é essencial para distinguir a linha editorial do periódico. Na matéria publicada há uma narrativa, louvor, crítica, apoio, ataque. Este posicionamento explícito relativamente às temáticas visa suscitar nos destinatários da informação uma certa atitude, que estes realizem um certo juízo. Juízo esse que de uma forma implícita se encontra no ângulo de abordagem da notícia.

Pretende-se assim transmitir uma emoção, um sentimento, de modo a que o leitor se identifique com o jornal.

Esta tentativa de união e de criação de um espírito único entre jornal e leitor é visto muitas vezes em eventos desportivos ou mesmo em crimes nacionais como um incêndio. Na tentativa de aproximar a realidade social da comunidade para o leitor, os jornalistas acabam por se enrolar, por vezes, nas teias e regras da publicidade.

“As histórias do crime são excertos do pulsar diário do mundo em que vivemos, a que os media estão particularmente atentos por exprimirem a ruptura, a descontinuidade, o desvio, emergentes da cadência previsível e rotineira do quotidiano”[20]

Ao falar-se sobre os incêndios que assolam o país, seja nos jornais ou na televisão, as organizações filantrópicas e empresas orquestram rapidamente uma campanha para arrecadar dinheiro para reflorestar certa zona destruída acabando por alcançar o estatuto de causa. Muitas das vezes seguidas pelos meios de comunicação social.

As causas muitas vezes acompanhadas até à exaustão pelos mais sensacionalistas prendem-se com a vontade do leitor de saber mais sobre o “anormal”, aquilo que foge à norma. O leitor quer saber como acaba a história.

O sensacionalismo da informação funciona, por sua vez, como o correlato da novelização. Não há uma boa novela onde não entre o inesperado, o súbito surgir de elementos que alteram o normal desenrolar das coisas. Aliás o que faz de um facto um acontecimento de interesse jornalístico, isto é, o que torna um facto notável, são factores que o demarcam do decurso trivial dos acontecimentos, factores como o excesso, a falha e a inversão[21].

Os fait-divers servem, assim, para suscitar no leitor um infinito de emoções, funcionando no “limite da ambiguidade”[22] o que acaba por garantir a sua significação “duvidosa”[23].


O crime, as emoções e o jornalismo

Como já fizemos referência, o crime é quase sempre factor de notícia. Seja pela imprensa mais sensacionalista ou pela menos sensacionalista.

Contudo, há crimes que geralmente não são objecto de notícia. É exemplo disso o suicídio. Notícias de suicídio raramente são divulgadas pelos meios de Comunicação Social, salvo em casos excepcionais. Esta situação decorre da existência de uma regra entre os jornalistas que promove a não divulgação destes factos já que estes podem, eventualmente, induzir outras pessoas a cometerem suicídio.

“Esta simples norma ética, consuetudinariamente estabelecida, é demonstração suficiente de que, a despeito de proselitismo em contrário, os jornalistas concordam que a media tem o poder de induzir comportamentos socialmente indesejáveis, independentemente da forma com que os fatos são relatados, o que serve, adicionalmente, para demonstrar a impossibilidade de sua neutralidade, dispensando-se outras considerações”[24].

Facto curioso, já que notícias como homicídios em série ou abusos sexuais são constantemente divulgados sem que exista a ideia, ou receio, que a difusão dessa informação leve outros indivíduos a praticar esses mesmos crimes.

Os meios de comunicação têm um importante papel no processo de transformação individual e social já que introduzem e reflectem novas atitudes e novos estilos de vida.

“Uma das ideias fundamentais da imprensa moderna, em particular, e da comunicação social, em geral, é a de que a informação é um elemento essencial à formação cívica dos cidadãos. Ainda hoje o grau de cidadania de um povo também se mede pela percentagem dos leitores de jornais relativamente à população e pelas taxas de audiência dos telejornais relativamente aos programas de variedades”[25].

Sendo os media um veículo de ideias, emoções e sensações, têm nas mãos o poder de moldar a sociedade dependendo da forma como transmitem aquilo que vêem e como fazem a selecção das notícias.

Uma das possíveis consequências da transmissão das notícias de crime é o pânico moral, o “que prova o poder dos media na criação do medo e da inquietude públicos em torno dos que se afastam da normatividade instituída, através de processos de estigmatização que desencadeiam o alerta nos sistemas de vigilância e controlo social”[26].

Actualmente o crime não passa despercebido nos periódicos de todo o mundo e Portugal não é excepção. Os mais diversos crimes são contados nas páginas dos jornais.

Hoje, em Portugal, já não são apenas os jornais populares e sensacionalistas que reportam os casos de crime. Diferem nos ângulos de abordagem mas a temática encontra-se presente. Simplesmente porque vende, porque o público procura, porque o público se interessa. São estes os valores-notícia tidos em conta pelos jornais: o sexo, a violência, o sangue. Valores-notícia que estão estritamente ligados ao sensacionalismo.

“A morte gera mais informação do que a vida. Ela dá vida aos nossos meios de informação. Ela pertence à grande ordem das catástrofes que regem a apresentação da actualidade e descrevem o estado do mundo. Ela introduz a ruptura necessária à informação: passagem violenta de um estado a outro – da vida para a morte, da calma da natureza à inundação” (Penedo, 2001)

Todas estas matérias suscitam motivações no público que é submetido “a uma série de reacções afectivas em cadeia, que levam a mudanças constantes dos centros de interesse, nas quais a morte «precipita o fluxo, acelera o ritmo e ´engrossa´ o fluxo de informação»”[27].

As notícias sobre crime podem ter na verdade duas reacções: aumento do sentimento de segurança (caso o «mau» tenha sido capturado) ou a diminuição desse mesmo sentimento (quando o criminoso sai impune). O jornalismo apresenta-se com esse poder, o de alterar estados emocionais dos seus leitores. Mas também de controlo social através do modo como cobre determinado caso.

“A capacidade de simbolização dos media envolve muitas vezes a construção de mitos e estereótipos em torno do crime, sobretudo em relação à incidência do crime, aos seus personagens e aos locais perigosos. O crime, pelas suas repercussões no plano da segurança pública, é uma matéria através da qual se refere a autoridade do Estado e o seu desempenho ao nível da promoção da estabilidade e do controlo social. O estudo do crime deixa de estar confinado à mera infracção da lei para passar a considerar a lei e a ordem, o certo e o errado, não apenas o legalmente instituído mas o socialmente significante”[28]

O medo que os jornais conseguem transmitir para a sociedade tem fortes consequências no modo como as pessoas passam a agir. Afectam-se elos da solidariedade social, aumento da vigilância do espaço público e “criando um clima favorável à aceitação fácil de políticas severas de controlo”[29].


Conclusão

A imprensa transmite emoções. O ângulo de abordagem ou o modo como se escreve são formas de alterar as emoções transmitidas. Mas o obstáculo que se apresenta diariamente ao jornalista é o da saúde financeira da empresa. O repórter é obrigado a seguir a linha editorial do jornal. Por vezes é obrigado a esconder o mais possível as suas emoções e crenças, noutras é obrigado a explorá-las ao máximo.

É neste último caso que aparece o jornalismo sensacionalista. Um jornalismo mais virado para o espectáculo e espectacularização mediática de certos casos. Geralmente ligados ao trinómio escândalo-sexo-sangue.

Esta imprensa vive da transmissão de emoções, muitas vezes exploradas até ao ridículo. Os jornais afectam directamente os seus leitões. Têm o poder de transmitir ideias, vontades, mas também emoções. As do jornalista mas também a do protagonista do relato.

A diferença entre um jornalismo sensacionalista e o não sensacionalista irá prender-se pelo ângulo de abordagem dado, pelo modo como o jornalista relata os factos, mas também, de uma forma actualmente menos consistente, pela escolha dos valores-notícia.

Ao “contar” a história de um acontecimento o jornalista está a reforçar os valores morais e sociais numa determinada sociedade. É no crime que se encontram mais reforçados os valores sociais, culturais e morais de uma sociedade.

Esta “arma” é geralmente usada pelos periódicos para criar simpatia junto aos seus leitores. Para criar um espírito único, para que o leitor sinta uma ligação com aquele jornal. Só tendo leitores é que os periódicos conseguem sobreviver. Por isso, não é de estranhar que certos temas, como o crime, figurem constantemente nos diversos jornais, até nos ditos especializados.

É exemplo o caso do “arrastão de Carcavelos”. Nenhum meio de comunicação fugiu ao tema e todos foram atrás das emoções que o caso poderia trazer. Os jornais contactam com a curiosidade do público, que reage pelas emoções, para venderem mais uns quantos exemplares. É imperdoável perder «um furo jornalístico», os jornalistas sabem que o público procura saber mais informação. O leitor quer saber se deve estar preocupado ou não. É o facto de o leitor ter emoções que o faz procurar as notícias.

O crime acabou por ganhar importância e destaque noticioso devido a questões relacionadas com o âmbito privado. O desvio à norma é, sem dúvida, o motivo pelo qual o tema tem impacto. A temática tem obrigatoriamente que lidar com a estereotipização e espectacularização da figura humana, pois mexe com as emoções.

O público procura nos jornais notícias sobre crimes pois o desvio relativamente à norma constitui motivo de atenção. O leitor precisa de saber que está «do lado certo», do lado do Bem, e para isso vêem relatos sobre crimes para fortalecer esse sentimento.

Vivendo num mundo da normalidade, o leitor ao ler notícias em que o criminoso é preso irá sentir-se mais seguro. É esse tipo de notícia que contribui para o dito “sentimento de segurança”.

No que toca ao crime, mas também ao sensacionalismo, os valores-notícia prendem-se em muito com o inesperado, a quebra da normalidade, a dramatização e infracção, a negatividade, a inversão dos valores, o conflito, a falha, o excesso, a morte…

É por mexer com as emoções que a imprensa sensacionalista normalmente é a imprensa mais moralizadora, pois tende sempre a condenar os desvios sociais à norma. As pessoas precisam de sentir que as emoções positivas se sobrepõem às negativas, ou seja, que o Bem se sobrepõe ao Mal.


Obras Citadas

Emoção no discurso da mídia impressa [Online] / autor Monteiro Adriana Crisanto // bocc.ufp.pt. - Maio de 2009. - https://bocc.ufp.pt/pag/monteiro-adriana-emocao-discurso.pdf.

Espreme que sai sangue [Online] / autor Angrimani Danilo // books.google.pt. - Summus Editorial, 1994. - 2009 de Maio. - http://books.google.pt/books?id=YODWbhZWBRIC&printsec=frontcover&dq=%22Espreme+que+sai+sangue%22#PPP1,M1.

Introdução à Psicologia [Livro] / autor A. Sperling K. Martin. - [s.l.] : Cengage Learning Editores, 2003.

O “Pseudo-Arrastão” [Online] / autor Vários / ed. ACIME. - Alto-Comissariado Para a Imigração, Junho de 2006. - Maio de 2009. - http://www.acidi.gov.pt/docs/Publicacoes/ARRASTAO.pdf.

O consumo de informação. Interesse e curiosidade [Online] / autor Fidalgo António // bocc.ubi.pt. - Universidade da Beira Interior, 2006. - Maio de 2009. - http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-interesse-curiosidade-informacao.html.

O Crime nos Media - o que nos dizem as notícias quando nos falam de crime [Livro] / autor Penedo Cristina Carmona. - Lisboa : Universidade Nova de Lisboa, 2001. - p. 30.

O sensacionalismo da imprensa na cobertura de crimes de natureza psicopatológica e suas consequências [Online] / autor Barros Luiz Ferri de // www.bancodeescola.com. - Instituto de Psiquiatria Universidade de São Paulo. - Maio de 2009. - www.bancodeescola.com/crimes.doc.

O Sensacionalismo na Imprensa Mossorense: um estudo nos jornais impressos de Mossoro [Online] / autor Holanda Janaína Maria Silva // bocc.ubi.pt. - Maio de 2009. - http://www.ubi.ubi.pt/pag/bocc-sensacionalismo-holanda.pdf.

Psicologia das emoções [Online] / autor Jorge // Rede Psicologia. - 16 de Setembro de 2008. - Maio de 2009. - http://redepsicologia.com/psicologia-das-emocoes.

Representação da Violência Quotidiana e do Crime nos Media Regionais [Livro] / autor Lopes Rita Antunes Monteiro. - Covilhã : Universidade da Beira Interior, Maio de 2006.

Sistema Límbico: O Centro das Emoções [Online] / autor Júlio Rocha do Amaral Jorge Martins de Oliveira, // Cérebro e Mente. - Maio de 2009. - http://www.cerebromente.org.br/n05/mente/limbic.htm.

The Expression of the Emotions in Man and Animals [Livro] / autor Darwin Charles. - [s.l.] : Oxford, University Press.

The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences [Livro] / autor Robert A. Wilson Frank C. Keil. - [s.l.] : The MIT Press, 1999.

The Psychology of Emotion [Livro] / autor Strongman K. T.. - Psychology Department, University of Exeter : John Wiley & Sons.

Treize Heurs/Vinte Heurs - le monde em suspens [Livro] / autor Leblanc Gérad. - [s.l.] : Editions Hitzerith Marburg, 1987.



[1] “An emotion is a psychological state or process that functions in the management of goals. It is typically elicited by evaluating an event as relevant to a goal; it is positive when the goal is advanced, negative when the goal is impeded.” (The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences, 1999:273)

[2] As emoções seleccionadas como primárias e secundárias foram baseadas no livro O mistério da consciência da autoria de António Damásio.

[3] "...the young and the old of widely different races, both with man and animals, express the same state of mind by the same movements." (Darwin; The Expression of the Emotions in Man and Animals, 1872)

[4] (Monteiro)

[5] (Monteiro)

[6] Idem

[7] Idem

[8] Idem

[9] (Monteiro)

[10] (Angrimani, 1994)

[11] (Holanda)

[12] (Angrimani, 1994)

[13] (Vários, 2006)

[14] (Fidalgo, 2006)

[15] Idem

[16] Idem

[17] (Vários, 2006)

[18] “Componente indissociável da imprensa sensacionalista, segundo o Grande Dicionário Universal do Século XIX de Pierre Larousse, fait divers é uma rubrica sob a qual os jornais publicam com ilustrações as notícias de géneros diversos que ocorrem no mundo” - (Angrimani, 1994)

[19] (Fidalgo, 2006)

[20] (Penedo, 2001)

[21] (Fidalgo, 2006)

[22] (Angrimani, 1994)

[23] Idem

[24] (Barros)

[25] (Fidalgo, 2006)

[26] (Lopes, Maio de 2006)

[27] Idem

[28] (Lopes, Maio de 2006)

[29] Idem