9 de agosto de 2009

Escrita Criativa, produto de uma Beleza Artística

Definição de Arte e Belo

A estética de Hegel é a ciência do belo, nomeadamente do belo artístico em detrimento do belo natural, “só é belo o que possui expressão artística”[1]. Contrariamente ao que acontece em Kant, que privilegia o juízo de gosto e o belo natural, a estética de Hegel é uma filosofia da arte, do belo artístico. O estudo da estética Hegeliana em relação à estética Kantiana prende-se com uma dificuldade, o facto de o seu objecto - o belo - ser de ordem espiritual. Assim sendo, o belo não é um objecto de existência material, mas de existência subjectiva, inerente à actividade espiritual de cada indivíduo. Contudo, esse facto não chega a ser comprometedor para a compreensão do fenómeno estético, porque o verdadeiro conteúdo do belo não é senão o espírito, isto é, “não há belo abaixo do estádio do espírito absoluto”[2]. Hegel contraria, deste modo, a opinião corrente que considera a beleza criada pela arte inferior à natureza e para entender a estética como ciência é necessário remover a opinião corrente.

Para Hegel a arte pensada como simples imitação ou reprodução dos objectos tal como existem na Natureza, trata-se de uma “ocupação negociosa e supérflua”. A arte não tem de imitar o mundo, mas sim de o revelar. Imitar é apenas reproduzir o que é, tal como é, com os meios materiais que são colocados à nossa disposição. Ao imitar o Homem suprime uma das condições sem a qual não é possível haver arte, isto é, sem conteúdo espiritual não existe arte. A arte não é só trabalhar os materiais, esta é uma condição necessária, mas não suficiente. Hegel afirma que “como imitador, o homem não ultrapassa os limites do natural, ao passo que o conteúdo deve ser de natureza espiritual”[3].

A arte também aparece na Natureza, mas para Hegel não se trata de inserir a manifestação da beleza na natureza em si. A natureza não é bela por si, ela não tem a consciência da beleza que nela aparece, apenas o Homem pode dar o significado do belo à natureza, o belo natural é um “reflexo do espírito, pois só é belo enquanto participante do espírito”[4]. Assim sendo, “o belo artístico é superior ao belo natural por ser um produto do espírito (…) tudo quanto provém do espírito é superior ao que existe na natureza”[5]. Outro motivo pelo qual Hegel exclui a beleza natural é porque a vida da Natureza é perecível, enquanto a vida da arte não cessa nunca, é perene. Mesmo o erro do espírito humano é superior a qualquer criação natural, porque possui espiritualidade.

A arte possui um modo particular de manifestação do espírito, uma vez que o espírito para se realizar pode revestir múltiplas formas. A arte nasce do facto de o Homem elevar a uma consciência espiritual o mundo exterior e interior.

O conceito fundamental na filosofia Hegeliana é a importância da criação artística que reside na presença do espírito, “originadas e engendradas pelo espírito, a arte e as obras artísticas são de natureza espiritual”[6]. Na criação existem duas fases, a de interioridade e exterioridade. A primeira é o acto criativo, fase de liberdade e da actuação do génio. A segunda é a materialização da condição interior através dos meios materiais que estão à nossa disposição, ou seja, é o génio em contacto com a Natureza.

A concepção do belo segundo Hegel, pode ser resumida em três pontos:

1. A obra de arte é criação humana, fruto do esforço humano e não um produto da natureza.

2. A obra de arte é criada para os sentidos do Homem.

3. Toda a obra de arte tem um fim em si.

Primeiramente, a obra de arte é produto da actividade humana mas de uma actividade que não é totalmente consciente. “Não é na conformidade a regras que reside a produção de obras de arte”[7], se assim fosse a arte baseada em regras poderia ser ensinada, deixando de existir liberdade e espontaneidade. Como referido, a obra de arte é “produto de um espírito especialmente dotado”. O estado onde o génio actua e o talento se manifesta, recebe o nome de dom. O dom aliado à reflexão e à técnica cria verdadeiras obras de arte. O estado onde esta produção artística aparece recebe o nome de inspiração. Contudo, o génio criativo “tem de possuir um pensamento disciplinado e cultivado por um exercício mais ou menos longo”, ou seja, é necessário aprender a dominar a matéria que envolve a arte, isto é, atingir a maturidade do pensamento. Por exemplo, na criação da poesia não basta a inspiração, é necessário também uma certa experiência para saber dominar questões como a prosódia, a métrica e a rima, que constituem o aspecto técnico da poesia. No entanto, quanto mais ricos e vastos forem o talento e o génio, menos esforços serão necessários para adquirir aquilo de que a produção carece.

Em segundo lugar, a obra de arte é feita para o Homem e para os sentidos do Homem. Assim sendo, a arte “consiste em dirigir-se aos sentidos e em despertar e suscitar sentimentos”[8]. O fim da arte é despertar no Homem o sentimento do belo. O artista contempla a obra de arte mas não a deseja, deixa apenas o objecto viver nele. O interesse do Homem pela arte não é ditado pelo desejo, pois a arte serve o espírito e só existe para o satisfazer. Segundo Hegel, “o objecto da arte é a superfície sensível, a aparência do sensível como tal”[9]. Mas esta aparência não é uma ilusão, é aquilo que aparece através da obra de arte, é uma aparência puramente sensível, mais concretamente, é a sua forma.

Finalmente, relativamente ao terceiro ponto de que a arte tem o seu fim em si, Hegel refere-se ao simples instinto natural de reproduzir o objecto e a satisfação do artista quando a representação resulta bem. O objectivo da arte é suscitar paixões e sentimentos, assim, o talento artístico “procura desenvolver-se, possesso de uma inquietação, de uma agitação que lhe vem da exigência de se explicitar”[10].

O Artista

A obra de arte, como produto do espírito, necessita de uma actividade subjectiva criadora. A imaginação do artista é o que constitui essa actividade e como tal, a obra de arte faz parte da interioridade subjectiva do criador.

Qualquer homem é capaz de adquirir um certo grau de habilidade artística. No entanto, o talento artístico apenas cabe a um elemento específico e quem for destituído de talento jamais será capaz de criar verdadeiras obras de arte. Resumindo, só faz arte quem possui um espírito especialmente dotado. À imaginação criadora do artista, Hegel dá o nome de fantasia.

O artista deve inspirar-se na vida e não em abstracções gerais, uma vez que a missão da arte é exprimir formas exteriores e reais. Através da obra de arte, o artista exprime “o que em si vive e se agita mediante as formas e aparências sensíveis, cujas imagens e modelos apreendeu e conservou, dominando ao mesmo tempo tais formas e aparências de modo a obter delas uma expressão total e completa da verdade”[11]. A inspiração artística consiste numa tal obsessão, que o Homem não encontra repouso enquanto não lhe der uma forma estética e perfeita.

Arte Romântica, expressão do sentimento

As conclusões extraídas acima referem-se somente à obra de arte geral. Esta estética geral compreende o estudo geral do belo artístico e a relação do ideal com a Natureza. É importante ter em conta a maneira como Hegel articula os dois momentos do conceito de beleza artística. Em primeiro lugar, a existência de uma ideia, um conteúdo, uma significação e em segundo lugar a forma, a expressão, a realidade desse conteúdo. No entanto, a exigência que se exprime na arte é que “a ideia e a sua forma como realidade concreta se tornem perfeitamente adequada”.

Hegel procedeu à distinção de três formas de arte:

1. Arte Simbólica – a ideia (conteúdo) é incerta, confusa e indeterminada, a ideia “procura ainda a sua verdadeira expressão artística”[12]. Trata-se de uma ideia abstracta que permanece exterior e que não se adequa à sua forma.

2. Arte Clássica – simples adequação da ideia e da forma adequada. Contudo, o espírito realizado pela arte ainda não é o espírito absoluto.

3. Arte Romântica – a ideia do belo como espírito absoluto e, consequentemente, livre em si e para si, isto é, “não tem a possibilidade de se realizar plenamente por meios exteriores, pois só como espírito existe”[13].

Interessa neste trabalho analisar sobretudo a arte romântica, que espiritual por essência ultrapassa o ideal enquanto verdadeira ideia da beleza. A arte romântica mostra-se completamente indiferente à forma; é a superação da arte por si própria.

Na arte romântica, o espírito reconhece que a verdade não consiste no que é corpóreo, isto é, vai além da forma. A arte só adquire a consciência da verdade quando se retira do que é exterior para regressar a si mesmo, pois no exterior o espírito não encontra mais os elementos de uma existência adequada. É na arte romântica que, de acordo com Hegel, a espiritualidade atinge o seu apogeu. Ela é a arte da interioridade absoluta e da subjectividade consciente da sua autonomia e liberdade. O verdadeiro divino é algo que ultrapassa toda a encarnação artística: é uma aspiração. Nesta fase Hegel, considera a arte como manifestação do Espírito Absoluto, isto é, o de “retorno a si mesmo”.

O valor da arte romântica reside no seu conteúdo, isto é, na “interioridade absoluta”, à qual se une a forma da “subjectividade espiritual consciente da sua autonomia e liberdade”. Por outras palavras, o romantismo é o produto da união entre o infinito e o universal e visa exprimir a vida interior, a vida dos sentimentos.

A culminação da arte está no romantismo que se expressa na pintura, na música e na poesia, que são formas específicas de arte mais elevadas, pois desprendem-se da materialidade e passam a expressar, a partir das suas formas, os conteúdos ideais. Na poesia, o elemento sensível é submetido a uma total idealização, visto que as palavras já constituem sinais de interioridade espiritualizada que se exprimem em pensamentos e representações. Para Hegel, a poesia é a síntese superior da interioridade espiritual ou a totalidade que reúne os extremos desde o concretismo da pintura ao abstraccionismo da música. Ela apropria-se da totalidade dos conteúdos e das formas de artes, processando na interioridade do espírito sinais e estímulos da exterioridade real. Através da poesia, o artista é capaz de exprimir no mais alto grau, a profundidade do sentimento, os fins a que a alma aspira e os acontecimentos passados.

Desse modo, a poesia tal como a prosa, interpreta a fenomenologia da realidade. Contudo, difere da prosa porque é livre na representação, transcende as palavras revelando na sua simbologia toda a liberdade criadora e imaginadora, dizendo sem descrever e expressando sem enunciar.

Dois conceitos importantes aparecem na análise Hegeliana da arte poética: a interioridade espiritual e a exterioridade real. A primeira é subjectiva, pertence ao reino da abstracção, do transcendental. A segunda é a realidade cheia de objectivismo e concretismo. No sistema filosófico de Hegel, o primado do espírito prevalece sobre o real. É o império da ideia, inicialmente sob a forma de espírito individual que depois se multiplica no espírito colectivo, modelando a ideia absoluta. A poesia como expressão humana seria o expoente máximo desse transcendentalismo. Como afirma Hegel, “o conteúdo da arte que tem por expressão a palavra é um mundo de representações criadas pela fantasia, é o espiritual em si, que não sai dos limites da sua espiritualidade e que, quando chega a manifestar-se exteriormente, se serve desta manifestação como de um sinal que difere do próprio conteúdo”[14].

[1] Hegel, G.W.F, Estética, Guimarães Editores, Lisboa, 1993; p.3

[2] Bayer, Raymond, História da Estética, Edição Estampa; p.305

[3] (Hegel, 1993 ); p.15

[4] Idem; p.3

[5] (Hegel, 1993 ); p.2

[6] (Hegel, 1993 ); p.9

[7] Idem; p.23

[8] Idem; p.27

[9] Idem; p.29

[10] Idem; p.31

[11] Idem; p.161

[12] Idem; p.173

[13] Idem; p.173

[14] Idem; p.531

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