22 de abril de 2008

O VELHO PROBLEMA


Ontem, durante uma conversa com amigos lembrei-me de uma situação que se passou comigo há já meio ano. Numa noite, ao chegar a casa, deparei-me com um vulto sentado no chão, a poucos metros da porta de entrada. Aproximei-me relutante, com receio de não sei bem o quê. Estava uma noite agradável de Verão e nem sei porque é que as minhas pernas andaram na direcção daquela figura, que agora diria, estranha. Cabelos brancos compridos, barba de três semanas, roupa quiçá demasiado quente para aquela altura do ano…


Ao aproximar-me, o homem a quem agora conseguia ver os olhos azuis-claros, falou-me de uma forma inesperadamente calma e lúcida: «Desculpe estar sentado aqui tão perto da porta de sua casa. Estava cansado e decidi fazer um pequeno intervalo na minha caminhada».


«E para onde vai?», perguntei enquanto me agachava de modo a que os meus olhos pudessem vislumbrar melhor os seus.


«Para aí… Estou em trabalho.»


«Em trabalho?! O que faz?»


«Se lhe dissesse não acreditava.», disse enquanto deixava ver, entre os pequenos lábios, os seus dentes amarelados e mal tratados que formavam um sorriso. «Acreditava se eu lhe dissesse que todos os problemas que você conhece poderiam desaparecer num segundo?», perguntou-me enquanto o seu olhar dava a resposta.


«Podia dizer que sim. Mas nenhum de nós os dois ia acreditar nisso», afirmei enquanto o meu sorriso fazia companhia ao seu sorriso.


«A estátua que está à frente da Câmara Municipal também não acreditou. Vim de lá agora. Meia hora de conversa faz sempre bem a um velho como eu», disse como se se desculpasse. Pouco lhe importou que a minha expressão dissesse que as estátuas não falam. «Ela está muito céptica em relação ao mundo e à sociedade de hoje. E não acredita que as coisas se possam mudar. Contou-me cá com cada história…». Abanava a cabeça em sinal de reprovação.


«Tem problemas que lhe afectam o pensamento?», questionou-me olhando para mim de tal forma que senti se mentisse naquela hora o Mundo inteiro cairia sobre mim.


«Tenho alguns! Olhe, quer tomar algo? Precisa de alguma coisa, precisa que telefone a alguém?», perguntei-lhe tentando afastar da minha mente aquela questão que não sei porquê me atormentou. Seria por ver alguém à minha frente que aparentava não ter preocupação alguma? Senti-me eu inferiorizado perante aquele homem que não conhecia?


«Um copo de água bastava-me.», disse-me de tal maneira que ia jurar que me tinha lido a mente


«Aguarde só um segundo, já o trago.» Virei costas. Ouvia agora o “velho” a trautear uma música de um conhecido cantor popular. Coloquei as chaves na porta, e fui buscar o prometido. Quando regressei apenas encontrei a velha calçada de tantos anos. Sorri, e bebi o copo como que brindando àquela personagem que por breves minutos conseguiu fazer com que me esquecesse… dos meus problemas! Afinal ele tinha razão. Um segundo bastou para me sentir em paz.


No dia seguinte ao passar pela estátua senti-me tentado a perguntar-lhe pelo “velho”. Ri-me do meu pensamento infantil e dirigi-me a casa. Até hoje nunca tive coragem de falar com a estátua, talvez com medo de ouvir a resposta… Até hoje não sei quem é o homem que fez desaparecer os problemas num segundo.

Sem comentários: