A arte de ser o mais forte
«(…) crianças com características de sobredotação»
Paulo, nome fictício, tem 7 anos e vive na Covilhã! Gosta de ver o “National Geografic”, o “Canal História”, ouvir Susana Félix, Xutos & Pontapés, Tony Carreira, Linkin Park e Carl Cox.
Como qualquer outra criança, também gosta de ver desenhos animados e jogar PlayStation.
A chegada à “Cidade Neve”, depois da separação dos pais, aconteceu de uma forma muito calma, mesmo para uma criança de 4 anos, como conta Madalena (também este nome fictício), sua mãe. As idas à psicóloga apenas serviram para reforçar o que estava à vista de todos: a integração de Paulo tinha sido bastante fácil, e este adaptou-se muito bem à sua nova vida.
Aos 6 anos no infantário, uma agressividade pouco normal numa criança mais perspicaz que as demais foi um dos motivos que levou Madalena a desconfiar que algo não estava bem. Pensando tratar-se de uma reacção tardia à separação dos pais acompanhou Paulo novamente ao apoio psicológico.
Mas foi só quando entrou no ensino primário, e depois do seu comportamento para com os colegas tornar-se ainda mais violento, que a jovem criança mereceu uma maior atenção. A psicóloga do Agrupamento de Escolas Pêro da Covilhã sugeriu que Paulo fosse acompanhado por uma outra psicóloga com mais experiências em casos deste tipo.
A Dra. Armanda Vasconcelos ficou encarregue de acompanhar o pequeno aluno. Com a sugestão e o apoio da professora primária de Paulo, foi-lhe realizada uma avaliação, ao mesmo tempo que uma outra era feita para determinar se Paulo tinha, ou não, características de sobredotação. «Não se fala de crianças sobredotadas até aos 12 anos. Falamos, até lá, de crianças com características de sobredotação», explica a profissional de psicologia. «Uma nova avaliação será feita quando Paulo atingir esta idade».
«O Paulo começou a falar muito cedo, e nunca falou “à bebé”. Os primeiros passos foram dados antes dos 10meses de idade…», recorda Madalena. «Nunca pensei que fosse uma criança sobredotada. Pensei que fosse da educação que lhe dei. Os pais descartam muito do seu trabalho para as escolas, eu sempre tentei acompanhar o Paulo, no seu dia-a-dia, o melhor que pude e que sabia», frisa.
O facto de ter mais capacidades que os seus colegas levou a uma maior desmotivação na escola, e os problemas foram aumentando, pois na sua jovem concepção do mundo, pensava que «se ele era o mais inteligente, tudo deveria ser como ele queria. Os colegas teriam que se submeter a ele. E quando tal não acontecia, o Paulo partia para a violência», conta a sua mãe.
«As crianças com capacidades de sobredotação quando não são bem auxiliadas podem enfrentar duras situações de frustração, desmotivação e não é raro problemas psicológicos e/ou fisiológicos», desenvolve a psicóloga.
Com o acompanhamento psicológico e o processo de avaliação quase concluído, Paulo está melhor integrado. E as notas de final de ano esperam-se muito boas.
O sistema de ensino e os sobredotados
Se a avaliação comportamental escolar foi sugerida pela própria professora primária, e se a psicóloga do Agrupamento teve a oportunidade de consultar Paulo, será de estranhar que o Dr. Jorge Antunes, Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas Pêro da Covilhã, não tenha conhecimento de nenhum caso de sobredotação no seu Agrupamento?
“Paulo” tem hoje 7 anos, anda na 1ª Classe, mas lê como uma criança do 4º ano.
Madalena é muito crítica em relação a esta situação: «Ele já sabem que o meu filho tem características de uma criança sobredotada, mas fazem de conta que não». Já a Dra. Armanda Vasconcelos compreende que «se não se considera até aos 12 anos que uma pessoa seja sobredotada, é normal que se afirme que estas crianças são apenas mais inteligentes que os outros. No entanto, isto é também uma situação político-burocrática».
As escolas têm a possibilidade de fazer com que os alunos do 1º Ciclo façam os quatro anos apenas em três, «a legislação não nos permite mais», como explica Jorge Antunes. Em relação ao apoio que, em caso de haver uma criança sobredotada no agrupamento, seria dado a esta, o Presidente daquele Conselho Executivo aclara que «a tutela não reconhece a necessidade de existir uma psicóloga clínica nas escolas. Havendo somente uma de apoio vocacional».
A falta de apoio a uma criança com características de sobredotação é ainda mais grave do que a falta desse mesmo apoio a uma criança sem estas características. A dificuldade de integração destas crianças na sociedade é muito complicado, «é muito fácil que uma destes jovens venham a sofrer de bullying», quem o diz é a Dra. Armanda, que assegura ainda que «a legislação actual deixou de contemplar as crianças sobredotadas, mas o entendimento actual ainda se prende com a legislação anterior».
No caso específico de Paulo a passagem do primeiro para o terceiro ano, como é usual nestas situações, não pôde ocorrer. O facto de ir mudar de cidade, e de escola, foi um entrave a este processo, como explicitou a psicóloga: «Vamos tentar que o Paulo se adapte aos seus novos colegas e à sua nova escola, até porque para as crianças como ele os desafios são vistos com grande motivação. Como a escola é no litoral e perto de uma grande cidade pode ser que seja um ponto a seu favor. A sua nova professora não vai ter conhecimento do que se passa com ele, numa tentativa de integrá-lo melhor. Se assim não fosse as expectativas sobre as suas capacidades seriam enormes, o que não era vantajoso para ele. Assim, só se a professora der conta de algo é que a mãe irá ter que abrir o jogo».
Paulo irá estudar para uma escola pública perto de Lisboa. Esta decisão foi tomada entre os pais e a psicóloga. Madalena compreende que «os padrões do Paulo não se encaixam nos padrões de uma escola privada, que por norma são muito elitistas.»
Por outro lado, Paulo ainda tem a maturidade de uma criança de 7 anos, e colocá-lo junto a outras crianças mais velhas 2anos não seria o mais sensato. Para a sua mãe «é importante que ele passe por todas as fases de crescimento. Não quero que ele ande a saltar momentos que possam ser importantes para ele».
As escolas ainda são hoje um entrave à educação destas crianças e, segundo Armanda Vasconcelos, «quando estas não dão respostas os pais procuram a ANEIS».
ANEIS – Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação
«A sede da ANEIS poderá num futuro próximo estruturar-se na Covilhã»
«A A.N.E.I.S. é uma associação portuguesa, sem fins lucrativos, fundada em Dezembro de 1998, que se destina ao estudo e à intervenção na área da sobredotação. Embora sediada em Braga, a A.N.E.I.S. tem um âmbito nacional de actuação». É assim que a organização se define no seu sítio oficial na internet. A sua directora, Ema P. Oliveira, é docente no Departamento de Psicologia e Educação da Universidade da Beira Interior (UBI).
Devido a esta situação fala-se numa possível mudança da sede. A sede da ANEIS, sediada em Braga, poderá num futuro próximo estruturar-se na Covilhã.
Mas enquanto tal não acontece, é a Delegação da Associação na Covilhã que está a sofrer uma reestruturação. A Dra. Armanda Vasconcelos é a coordenadora desta delegação. «Esta reestruturação surge porque a delegação da Covilhã estava um pouco parada, não por falta de casos mas sobretudo porque não tínhamos uma estrutura física que nos permitisse trabalhar a 100%».
O papel desta associação é acompanhar as crianças, e os pais destas, para que possam ser melhor acompanhadas, mas também terem um papel activo junto às instâncias competentes de modo a poderem dar pareceres dentro da área da sobredotação. «A ANEIS, relativamente a esta nova legislação que não abrange os sobredotados, já escreveu uma carta ao Ministério da Educação. No entanto, a resposta não poderia ter sido mais vaga», relata a coordenadora da delegação da Covilhã.
Quais são as características de um sobredotado?
Em geral um sobredotado é uma pessoa com sede de conhecimento, intolerante com, o que considera ser, a estupidez; é intuitivo e de grande poder de observação, tem uma grande capacidade de abstracção, grande versatilidade, invulgar capacidade de liderança, é crítico, entusiástico e sensível e aprende com facilidade os temas do seu agrado.
5 comentários:
O nosso país é um atraso, não sei porque é que o governo perde tempo em observar o ensino no estrangeiro. Que pena os filhos deles não terem estes problemas.
Acabam por ser um problema porque os nossos governantes assim o querem. Porque a sobredotação não deveria ser um problema, devia ser algo encarado com uma certa naturalidade.
O "Paulo" é um dos imensos casos por esse portugal fora...
tenho um filho de 3 anos que foi diagnosticado como sobredotado e apoios nada de nada...
e extremamente agressivo n sei como lidar com ele e estou atada com as burocracias de papeis para conseguir algum tipo de apoio.
so neste pais mesmo n me sabem dizer por onde e como comecar as minhas ajudas. enfim e portugal esta tudo dito! scqs
Já contactou a ANEIS?!
Sou professora e mãe de dois filhos e os dois são Sobredotados. Sei muito bem o que é o desespero de uma mãe, que sabe ter dois filhos com super-potencias e ser ignorado, negligenciado e abandonado por a própria escola, local de ensino/aprendizagem. Lamento a indiferença com que estas crianças são tratadas em contexto escolar e ignoradas. Aliás, nem mesmo o Ministério da Educação se digna a dar directrizes no sentido de dar um ensino direccionado as estas crianças. Depois, não existe qualquer tipo de formação para docentes, para lidarem com estas crianças em contexto escolar. Continuam-se a formar professores e a "Sobredotação" continua a não fazer parte dos Programas Académicos de Ensino.
Por mim... vou continuar a trabalhar e a investigar nesta área e tentar sensibilizar a comunidade em meu redor para esta temática.
MRFRB
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